PETIÇÃO INICIAL – O GUIA DEFINITIVO
- Felipe Scalabrin
- há 2 dias
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Atualização: 05/04/2025 - FS
Dúvidas na elaboração da petição inicial são comuns. Aqui, você terá o guia definitivo da petição inicial no processo civil. Apresento o conceito, os requisitos e algumas dicas de redação.
CONCEITO
A petição inicial é a forma para propor a DEMANDA que instaura o processo. A demanda é ação em sentido processual: afirmação de uma relação jurídica deduzida em juízo (res in iudicium deducta). Ao término da fase de conhecimento, espera-se que a relação deduzida se converta em relação julgada (res iudicata).
A petição inicial não é uma peça literária, um romance ou um texto científico. É um documento técnico com função e estrutura para iniciar um processo judicial mediante argumentos de fato e de direito. Ela não deve ser escrita como um livro. Ela não será lida no lazer da piscina. Tampouco é tese de doutorado. Ela não será avaliada pela extensão da pesquisa ou das notas de rodapé. O valor da petição inicial será dado pelos argumentos desenvolvidos.
A instauração do processo se dá com a propositura da demanda, concretizada pelo protocolo da petição inicial (art. 312, CPC). Hoje em dia esse protocolo é o clique no painel eletrônico. Antigamente, era a entrega da documentação ao oficial distribuidor no guichê do Poder Judiciário.
Ainda nos aspectos conceituais e introdutórios, a elaboração da peça exige: (a) redação em português (art. 192, CPC); (b) ausência de cotas marginais (art. 202, CPC); (c) assinatura de alguém com capacidade postulatória se for o caso (art. 209, CPC); (d) ausência de rasuras (art. 211, CPC). Nem toda petição inicial será assinada por advogado, pois o direito brasileiro admite situações em que a pessoa sem habilitação possa demandar. Nas causas de até vinte salário mínimos dos Juizados Especiais, as partes podem comparecer sem o auxílio de advogado (art. 9º, Lei n.º 9099/95).
Na elaboração da petição inicial, você deverá observar os princípios de estilo. Assim, por exemplo, a peça deve ser escrita de forma concisa, precisa e clara. Aprofunde o estudo com a obra Redação Jurídica de Antonio Gidi. Escute-o no Onze:
A petição inicial deve ter começo, meio e fim. Ela exige zelo e capricho, como leciona José Rogério Cruz e Tucci. Uma redação confusa prejudica o próprio autor e se o vício for insanável, ela não será admitida.
REQUISITOS
A petição inicial deve preencher uma série de requisitos sem os quais não há desenvolvimento válido do processo. Os requisitos gerais estão nos artigos 319-320 do CPC. Esses requisitos são cobrados em provas assim:
Cada um desses requisitos possui diversas particularidades.
Competência / endereçamento
A petição inicial deve estar endereçada a algum órgão judicial (art. 319, I, CPC): ao juízo de 1º grau ou ao tribunal se for competência originária. A indicação do juízo tem repercussão na competência. A distribuição, em princípio, irá considerar o órgão judicial indicado, mas há possibilidade de controle posterior (art. 288, CPC).
Alguns dizem que o correto é endereçar ao juízo (o órgão) e não ao juiz (a pessoa) a petição inicial devido ao caráter impessoal da jurisdição. Outros defendem que indicar a pessoa do juiz torna o processo mais humano. O modo de endereçar não muda nada no processo, sendo importante mesmo apontar o órgão com competência.
Indicação das partes
A petição inicial deve conter as informações sobre quem são os litigantes (art. 319, II, CPC). A qualificação compreende: nomes, prenomes, estado civil, existência de união estável, profissão, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), endereço eletrônico, domicílio e residência (art. 319, II, CPC).
A indicação do estado civil não é mero detalhe. Existem regras processuais específicas para casamento e união estável. Assim, por exemplo, há exigência de participação de ambos os cônjuges nas ações reais imobiliárias (art. 73, §1º e §2º, CPC).
A indicação do endereço eletrônico é justificada porque, após a Lei n.º 14.195/21, a citação será feita preferencialmente em meio eletrônico, no endereço cadastrado junto aos bancos de dados do Poder Judiciário e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (art. 246, CPC).
A ausência da completa qualificação das partes não deve ser considerada um defeito grave para causar a inadmissão da peça. O Código de Processo Civil expressamente prevê que o autor poderá requerer ao juiz diligências necessárias à obtenção dessas informações (art. 319, §1º, CPC).
Nesse sentido, o acesso à justiça deve prevalecer sobre o formalismo excessivo. O juiz não deve indeferir a petição inicial caso seja possível a citação do réu, ainda que estejam incompletas as informações e não haja requerimento de diligências (art. 319, §2º, CPC). E se a obtenção de tais informações tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça, também não se deve indeferir a inicial (art. 319, §3º, CPC).
Indicação dos fatos e fundamentos jurídicos
A petição inicial deve indicar as razões pelas quais se busca a tutela jurisdicional (art. 319, III, CPC). Esse requisito permite encontrar a causa de pedir e os fundamentos jurídicos.
Em termos redacionais, é comum dividir o texto da peça entre a narrativa dos fatos e dos fundamentos jurídicos (“dos fatos” e “do direito”). Embora não exista obrigatoriedade, a divisão é recomendável para provas e concursos públicos. Sobre os fundamentos jurídicos, não há exigência de citar artigos de lei. Contudo, em provas, é altamente recomendável. No cotidiano forense, a redação deve ser precisa quanto às bases normativas, mas a atenção aos fatos deve prevalecer. São os fatos que possibilitam a identificação da causa de pedir.
A causa de pedir é o conjunto de fatos em que se funda a ação. É o substrato fático que justifica a solução da causa. A doutrina diferencia causa de pedir remota e causa de pedir próxima.
A causa de pedir remota diz respeito ao fato ou conjunto de fatos narrados pelo autor para justificar o pedido. Ela abrange tanto os fatos constitutivos da situação de direito material (causa de pedir remota ativa) como os fatos lesivos ou ameaçadores da situação (causa de pedir remota passiva). Nessa classificação, deve ser considerada a relevância do fato para a solução do caso. Os fatos essenciais é que compõem a causa de pedir remota.
A causa de pedir próxima, por sua vez, envolve a caracterização jurídica da pretensão deduzida em juízo. Ela está relacionada com a relação lógico-jurídica entre os fatos narrados e o pedido formulado ou, melhor, cuida-se da conclusão, retirada dos fatos, da qual decorre o pedido.
Como exemplo da classificação, o acidente de veículo automotor que causa dano a alguém, sendo fato constitutivo, é considerado a causa de pedir remota. A ocorrência de dano tem como consequência o dever de indenizar, que é a causa de pedir próxima.
A causa de pedir é um assunto muito interessante, que traz resultados práticos quanto aos limites da atuação do juiz e da extensão da coisa julgada. O meu primeiro livro foi sobre ela (Causa de pedir e atuação do STF, ed. Verbo Jurídico).
Ainda sobre os fundamentos de fato e de direito, nas demandas que envolvam obrigações decorrentes de operações financeiras (empréstimo, financiamento, alienação de bens etc), o autor deve “discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito” (art. 330, §2º, CPC). Nessas situações, aliás, o valor incontroverso deverá continuar a ser pago no tempo e modo contratados (art. 330, §3º, CPC).
Indicação do pedido
O pedido compreende a descrição do provimento jurisdicional e do bem da vida buscados pelo autor (art. 319, IV, CPC). O pedido MEDIATO é o bem da vida sobre o qual se discute em juízo e o pedido IMEDIATO a tutela jurisdicional que é pretendida pela parte
Confira-se o exemplo da Fernanda Tartuce: “Diante do exposto, pede o autor: (i) a condenação do réu ao pagamento de danos materiais, na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e (ii) a condenação do réu ao pagamento de danos morais, na quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais)”. Nesta situação, o pedido imediato é a condenação e o pedido mediato é o pagamento pelos danos.
Existem muitas classificações e regras específicas sobre o pedido que não serão abordadas neste guia. Enquanto não elaboro um guia só sobre pedidos, você deve ler com atenção os artigos 322-327 do CPC.
Um aviso sobre o pedido principal. O pedido principal é aquele que traduz a pretensão mais importante do autor e de cujo acolhimento depende o das demais. Nessa classificação, se existirem outros, serão pedidos acessórios, já que não envolvem a pretensão mais importante.
Ainda sobre os pedidos, alguns optam por diferenciar pedidos e requerimentos. Os pedidos são solicitações que resultam em provimentos jurisdicionais enquanto requerimentos envolvem a realização de diligências ou outros atos sem caráter decisório.
Indicação do valor da causa
A petição inicial deve indicar qual é o valor da causa (art. 319, V, CPC), que nada mais é do que a expressão econômica da demanda, ainda que ela não possua conteúdo monetário imediatamente verificável. Para toda causa deve ser atribuído valor certo, mesmo quando o conteúdo econômico não é imediatamente aferível (art. 291, CPC).
A definição do valor da causa deve corresponder ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pela parte (art. 292, §3º, CPC). Quando, porém, não for possível realizar essa apuração imediatamente, o que se terá é uma estimativa.
Ainda quanto à definição do valor da causa, em qualquer ação, quando são pedidas prestações vencidas (que já venceram, passadas) e vincendas (que ainda não venceram, futuras), devem ser computadas ambas as prestações, isto é, tanto as vencidas como as vincendas (art. 292, §2º, CPC). Em alguns casos, houve a preferência legislativa de explicitar de forma direta os critérios para definição do valor da causa (art. 292, incisos, CPC).
Na ação indenizatória fundada em dano moral é preciso indicar valor da causa. Segundo a doutrina majoritária, essa é uma mera ESTIMATIVA que NÃO vincula o resultado final do processo.
O valor da causa pode ser alterado. A correção do valor da causa pode acontecer por manifestação do juiz ou das partes. O juiz pode, de ofício e por arbitramento, corrigir o valor da causa “quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes” (art. 292, §3º, CPC). Para o réu, o valor da causa deve ser impugnado em preliminar da contestação, sob pena de preclusão (art. 293, CPC). No procedimento comum, não existe mais a “impugnação ao valor da causa” como incidente autuado em separado para discutir apenas essa matéria (art. 261, CPC/73).
Indicação das prova pretendidas
As provas pretendidas para demonstrar a verdade dos fatos alegados devem ser indicadas na petição inicias (art. 319, VI, CPC).
A ausência de indicação das provas a serem produzidas, porém, não é causa de indeferimento da petição inicial. A doutrina majoritária e a jurisprudência aceitam que basta indicar na petição inicial que existe interesse na produção das provas.
Negativa da audiência de conciliação
A petição inicial deve indicar se o autor tem interesse na audiência de conciliação ou de mediação que é etapa do procedimento comum (art. 319, VII, CPC). A audiência somente não será realizada quando a matéria não admitir autocomposição ou se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual (art. 334, §4º, CPC). Ao desinteresse expressado pelo autor, pois, deverá ser agregado o desinteresse do réu para justificar a não realização do ato (art. 334, §5º, CPC).
Documentos indispensáveis
A petição inicial deve ser instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação (art. 320, CPC). A expressão documentos indispensáveis abrange os elementos de prova necessários para demonstrar que estão presentes as condições da ação e, quando for o caso, os pressupostos processuais. Ou seja, a palavra documentos indispensáveis está mais para elementos mínimos para aceitar a demanda do que para julgá-la.
Alguns exemplos de documentos indispensáveis: (a) aqueles atinentes à qualificação do autor (v. g., a Carteira de Identidade); (b) procuração outorgada ao advogado da causa; (c) aqueles que demonstrem o interesse de agir (v. g., o contrato privado descumprido ou o processo administrativo que indeferiu um pedido perante o poder público); (d) comprovante de pagamento das custas processuais caso não seja requerida a gratuidade de justiça.
Outros requisitos
Em termos didáticos, faço referência a alguns outros pedidos/requerimentos: citação, gratuidade de justiça, tutela provisória e agora temos a opção pelo juízo 100% digital.
A citação do réu pode ser requerida com alguma modalidade diversa da comum (art. 247, V, CPC), que é o meio eletrônico (art. 247, caput, CPC). O autor poderá justificadamente a requerer de outra forma, como, por exemplo, por meio de oficial de justiça (art. 249, CPC).
O autor pode requerer o benefício da gratuidade (art. 99, CPC). Para tanto, deverá expor os motivos pelos quais considera que faz jus à benesse. No caso de pessoa natural, presume-se verdadeira a afirmação de insuficiência de recursos para custear a demanda sem comprometer a própria subsistência (art. 99, §3º, CPC).
A tutela provisória pode ser requerida na petição inicial, seja em virtude de uma situação de urgência (art. 300, CPC) ou de evidência (art. 311, CPC). Já falamos de tutela provisória em outra oportunidade. Leia aqui.
O “Juízo 100% Digital” foi normatizado pelo Conselho Nacional de Justiça como modalidade facultativa de processamento da causa mediante realização dos atos exclusivamente por meio eletrônico e remoto por intermédio da rede mundial de computadores (Resolução n.º 345/20 CNJ). Exige-se requerimento para tanto.
Para encerrar, a petição inicial se submete a CONTROLE pelo órgão judicial, que realiza o juízo de admissibilidade da demanda. O juiz poderá, de ofício, fiscalizar a adequação do ato postulatório à lei (art. 321, CPC).
CONTROLE
Os requisitos para que a petição inicial seja adequada justificam o controle pelo juiz e pela parte contrária. É assim que o magistrado poderá, de ofício, fiscalizar a adequação do ato postulatório à lei (art. 321, CPC). Se a petição inicial não atender a algum dos requisitos (art. 319-320, CPC) ou possuir “defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito”, será determinada a correção do vício em quinze dias. A emenda à inicial é ato postulatório do autor para realizar a correção dos defeitos identificados na peça.
Atualmente, é necessário indicar com precisão aquilo que deve ser corrigido ou completado (art. 321, caput, CPC). Somente é possível o indeferimento da inicial, caso haja uma ordem clara do magistrado sobre o vício ou complemento a ser realizado e que a ordem deixe de ser cumprida de modo injustificado pelo autor. Aliás, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, o prazo para emenda da inicial não é peremptório, mas dilatório, passível de redução ou ampliação por convenção das partes ou determinação judicial (Tema 321/STJ).
Uma vez apresentada a petição inicial, o magistrado poderá adotar algumas outras posturas iniciais, como não aceitar a demanda, indeferindo a petição inicial ou até mesmo julgando imediatamente improcedente o pedido. O indeferimento da inicial e a improcedência liminar do pedido, contudo, são assuntos para outro guia.

Felipe Scalabrin é Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS), vinculado à linha Hermenêutica, Constituição e Concretização de Direitos. Professor visitante do programa de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade La Salle (UNILASSALE). Atualmente, é professor do Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER) nas disciplinas de Direito Processual Civil e Direito Previdenciário. Autor de diversas obras, dentre elas, a mais recente, "Ação rescisória: teoria e prática", pela Editora Thoth, 2023.
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